Esses dias me peguei com uma sensação estranha de dor no peito, uma dor apertada que parecia me envolver como uma sucuri envolve a sua presa, me causando intensa falta de ar e anseio de algo que não sabia dizer ao certo o que era... Tais sensações ainda estão fazendo parte do meu cotidiano. Tão esquisito sentir-me assim. Penso que é assim que os esquizofrênicos sentem-se em suas crises. Com uma vontade de gritar ao mundo, reclamando as injustiças e as magoas do meu peito, acabei sublimando e reprimindo tais sentimentos e me vendo em frente ao PC, lendo Florbela Espanca, revezando com textos de Lacan e escrevendo esse texto pra tentar aliviar minha dor. Me agarro às coisas boas e pessoas maravilhosas que me aconteceram e me apareceram até aqui, mas algo me faz pensar nos sofrimentos, vasos quebrados e flores mortas... A beleza das notas musicais parece não me encantar, adentrando por meus ouvidos como um insulto a minha dor.
O que fazer nessas horas? Meu sorriso permanente deu lugar a olhos rasos d’água e um desejo de fechá-los para os erros da humanidade, tornando-me a maior militante do grupo dos alienados. No entanto, clama em mim, mesmo que desafinado e num volume tão baixo, que o barulho dentro de mim quase não me deixa ouvir, um grito por VIDA, por LUZ, BELEZA, e mais que isso, por: AMOR. Amor em sua forma mais pura, sem preconceitos, sem restrições, que não tem vergonha de abraçar, de beijar, de chamar de flor, bem, mô, xuxu. Amor pelo sol, pela lua, pelo mar, por cada criatura e matéria que transpire vida ao meu redor. Um amor tão descarado e atrevido que pode ser compartilhado apenas por um olhar, que se espalha no vento como um perfume, que rompa barreiras entre cor, sexo, classe social, idade, opção sexual. Que seja capaz de contemplar um clamor por vida nas situações mais degradantes, e de perceber a beleza da diferença.
Tão lindo olhar o sorriso de uma criança brincando distraída com sua própria sombra. E ao mesmo tempo, tão lindo contemplar as rugas no rosto de um velhinho e ficar tentando imaginar as histórias por trás dos caminhos traçados em seu rosto.
Sinto tanta vida dentro de mim que agora penso em fazer uma refeição. Um prato de estrelas, conchas do mar e uma lua cheia poderia servir-me como entrada. Como prato principal, beijos apaixonados e abraços apertados em quem mais amo. Para beber, lágrimas de felicidade. E como sobremesa, gargalhadas infantis, regadas com calda de chocolate.
É isso! Se essa dor persistir e tentar tirar de mim a capacidade de ver as belezas do universo, abasteço-me com a melhor refeição do mundo e saio sem rumo para compartilhar minha descoberta...